ECOLOGIA E SEUS FUNDAMENTOS
“Correio da Manhã”,
Lisboa, 30 de abril de 1998
Dário
Moreira de Castro Alves (*)
Não conheço outra
obra que, numa visão de conjunto, trate de forma abrangente o tema da ecologia
– o tema em si, aspectos histórico-filosóficos e a ecologia ou ecologismo do
ponto de vista das relações internacionais – como Naturezas Mortas, A Filosofia
Política do Ecologismo, de João Almino, Cônsul Geral do Brasil em Lisboa. O autor
é titular de um notável curriculum acadêmico obtido no Brasil, na Europa e nos
EUA e a obra se originou de uma tese acadêmica apresentada ao Ministério das
Relações Exteriores do Brasil. O tema do ecologismo se insere hoje num grande
painel do discurso público mundial, com crescente força e vivacidade,
transcendendo de longe os limites técnico-científicos para espraiar-se pelo
vasto campo das relações internacionais quer sejam estas tratadas do ponto de
vista político, jurídico, económico ou sociocultural. Magnos aspectos das
relações internacionais contemporâneas – desenvolvimento econômico juntamente com o conceito de sustentabilidade
desse mesmo processo, as relações Norte-Sul, a crescente atuação no cenário
mundial das instituições financeiras intergovernamentais, as organizações não
governamentais (ONGs), de grande ascendência e vocalidade no tecido das
relações entre os povos de todo o planeta – toda essa teia de atuações e
relações está marcada pelo ecologismo.
João Almino faz
remontarem a Epicuro e Lucrécio, e a Platão, as primeiras ideias que viriam a
evolver para o que hoje chamamos de ecologia. Em Platão estava presente, em A
República, a ideia de uma degradação e de uma corrupção (que implicam a noção
de natureza) decorrentes da desobediência humana aos desígnios dos Deuses: o
que destrói e corrompe é o mal e o bem é que preserva e é útil. Correntes da
doutrina judaico-cristã lançaram bases filosóficas de uma visão tanto ecológica
quanto anti-ecológica. A ética judaico-cristã colocou o homem acima da
natureza, em nome de Deus, e favoreceu a ideia antropocêntrica, de dominação do
homem sobre a natureza. Uma “perspectiva ecológica é atribuída ao pensamento
cristão medieval de São Francisco de Assis, que encarava o homem como igual às
demais criaturas e não como um ser superior.”
Uma súmula da
história da degradação ambiental teria de basicamente apoiar-se sobre dois
momentos da aceleração da história, o primeiro dos quais foi a revolução
neolítica, que correspondeu ao desenvolvimento da agricultura, da tecelagem e
da cerâmica, à domesticação de animais e à sedentarização humana. O segundo
grande marco foi a revolução industrial. Tentando sintetizar a exposição de
João Almino, da revolução industrial emergiram as bases da degradação ambiental
– revolução que significou a fusão da ciência com a técnica, “pela mentalidade
dominante no tipo de sociedade inaugurada com o capitalismo, e de forma mais
ampla, por determinada visão de progresso e natureza que se vinha pouco a pouco
firmando na modernidade, ou seja, desde o Renascimento”.
O livro de João
Almino passa em revista teorias de grandes pensadores e filósofos dos séculos
XVII a XIX, que têm pertinência com posições doutrinárias que estão na base do
ecologismo sob seus vários aspectos. O ecologismo, em parte, desenvolveu-se
como uma critica naturalista de uma visão moderna humanista e artificialista,
que culminou sobretudo no século XIX, no individualismo à outrance e na redução
da natureza a recursos para a exploração ávida e predatória por parte do homem.
O humanismo moderno atribui ao indivíduo um papel central como explorador da
natureza, havendo a noção de progresso servido a uma ética de apropriação,
exploração e controle da natureza.
A palavra ecologia
foi pela primeira vez empregada, em alemão, Oekologie, em 1866, pelo zoólogo e
biólogo alemão Ernst Haeckel. O contexto em que a palavra foi cunhada, no livro
Morfologia Geral dos Organismos, era biológico, e relacionava a teoria da
evolução das espécies de Charles Darwin à morfologia animal. A nova disciplina
teria como objetivo estudar a relação das espécies com seus meios ambientes,
orgânicos e inorgânicos.
Nesse ponto, João Almino
parte para a identificação de três correntes no ecologismo como o entendermos
hoje – estudo da relação entre o homem e a natureza e o papel desempenhado pelo
homem no mundo; sobre o sentido da história e a ideia de progresso – a saber:
1) reforço do humanismo individualista e do progresso, baseado na crença cega
na capacidade de aprimoramento crescente do homem e do seu meio, através da
técnica e da ciência; 2) postura anti-humanista, descrente na capacidade que
teria o homem de controlar seu destino, de aprimorar o mundo ou transformar
positivamente a natureza, tendo como fundamento a negação do progresso e do
desenvolvimento tecnológico; 3) proposta de uma nova forma de relação do homem
com a natureza, a ciência, a técnica, o progresso, a história, sem contudo
negar esses valores. É o que chama de “neo-humanismo ecológico”, que se opõe ao
humanismo individualista como emanou do Renascimento, e ao “ecocentrismo”. Pela
teoria do neo-humanismo ecológico, o homem e a natureza são uma só coisa, sendo
os valores e os “direitos” da natureza referidos ao homem. Boa parte do livro é
dedicada a explicações aprofundadas sobre essas três correntes e suas visões
práticas e consequências. Em favor da última se inclina o autor.
Na verdade foi a
partir da década dos 70 e 80 que o ecologismo saiu da categoria de um movimento
de protesto e às vezes de certa diatribe para chegar ao discurso oficial dos
partidos políticos e do Estado, pelo qual se chega ao “desenvolvimento
sustentável”, que resolveria a oposição entre desenvolvimento e meio ambiente. O
desenvolvimento que não é sustentável envolve seu próprio fim por causa de seu
caráter predatório. É extensa e convenientemente estudado o problema dos graves
e alargados riscos que decorrem, a nível planetário, da exploração crescente e
de forma alarmante dos recursos naturais não renováveis, pelos países altamente
desenvolvidos, e das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, com seus
conhecidos efeitos.
É um livro que
muito explica, sugere, insinua, provoca o leitor interessado em questões de
tamanha importância como a da ecologia e aspectos correlatos. Mereceria ser
editado em Portugal, onde se colocaria com realce ao lado de outras obras
importantes aqui escritas ou traduzidas.
(*) Embaixador
brasileiro aposentado, residente em Lisboa, Presidente do Conselho de Curadores
da Fundação luso-brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua
Portuguesa.
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