CHIMÉRICA: UM CASAMENTO EM MAUS LENÇÓIS?

Por Richard Bernstein

Em Nova York (EUA)

"Superfusion" (Superfusão) - este é o título de um novo livro escrito por Zachary Karabell, que descreve como a "relação única entre a China e os Estados Unidos se tornou o eixo da economia mundial".

 Trata-se de um conceito capcioso em um mundo que luta para acompanhar o ritmo de uma economia que muda rapidamente. Ele é praticamente idêntico a outro neologismo, cunhado há alguns anos pelos historiadores da economia Niall Ferguson e Moritz Schularick para descrever a relação econômica sino-americana: Chimérica.

 A China e os Estados Unidos são, sem dúvida, economias enormes com um volume de negócios imenso - US$ 150 bilhões (R$ 258 bilhões) em comércio em 2002; quase US$ 450 bilhões (R$ 775 bilhões) em 2008, e não muito menos do que isso em 2009, apesar da crise econômica. Mas os termos superfusão e Chimérica sugerem algo além dessa amplitude. Segundo a análise de Karabell, os dois gigantes se tornaram "uma hipereconomia entrelaçada e integrada". Ou, como Ferguson colocou: a Chimérica é "o verdadeiro motor da economia mundial".

Isso pareceria indicar que há uma ressonância, até mesmo um consenso entre eles, mas o livro de Karabell surge em um momento de debate, no qual os criadores desses novos termos estão em posições muito diferentes do espectro da opinião. Essencialmente, Ferguson alerta tanto para os perigos quanto para a fragilidade da Chimérica.

Em palestras e artigos recentes, ele culpou a Chimérica por contribuir substancialmente para a crise financeira mundial, muito embora venha argumentando que seus dias possam estar contados, possivelmente para ser substituída por novos conflitos e antagonismos.

Por outro lado, Karabell acredita que a superfusão é permanente e, sobretudo, positiva.

Ela mitigou os efeitos de uma crise global que provavelmente seria bem pior sem ela, diz. E ele acredita que a continuação da superfusão será bem parecida com sua criação, algo que aconteceu, em grande parte, fora do controle dos governos nacionais e que continuará principalmente fora de seu controle.

"Normalmente, uma época de crise como esta seria o momento perfeito para tentativas de retaliação econômica, como restrições comerciais, tarifas mais altas e coisas do tipo", disse ele em uma conversa por telefone nesta semana. "Na verdade muito poucas coisas como essas aconteceram." Uma razão para isso, segundo ele, é que "a capacidade de tomar medidas é muito limitada".

As perspectivas diferentes de Karabell e Ferguson refletem algo razoavelmente coerente com as análises da China, em que especialistas que examinam os mesmos dados chegam com frequência a conclusões diferentes sobre o que a China significa para os Estados Unidos. Até questões básicas como se a China será uma parceira ou uma rival continuam sem resposta, e essa falta de resolução é ilustrada pelas perspectivas diferentes sobre a fusão dois países em uma única economia interdependente.

Ferguson é professor de história em Harvard e publicou inúmeros livros, entre eles "A Ascensão do Dinheiro - A História Financeira do Mundo" e "Colosso: Ascensão e Queda do Império Norte-Americano".

Para ele, a Chimérica se resume a uma fórmula simples: a China economiza; os Estados Unidos gastam. Um emprestou mais de US$ 2 trilhões (R$ 3,4 trilhões); o outro tomou emprestado. "Por algum tempo", escreveu em um artigo recente da "Newsweek", a "Chimérica parecia um casamento celebrado no céu. Ambas as economias cresceram tão rápido que elas responderam por 40% do crescimento global entre 1998 e 2007".

 "A grande questão agora é se esse casamento está em maus lençóis", acrescentou.

Na pior das hipóteses, Ferguson argumentou, a China poderia acabar bem parecida com a Alemanha no começo do século 20, uma potência em crescimento cujo nível de integração econômica extremamente alto com o resto do mundo não conseguiu impedir a 2ª Guerra Mundial.

"Com a China desconectada dos EUA - dependendo menos das exportações para o mercado norte-americano, a Chimérica chegaria ao fim", escreveu Ferguson na "The American Interest Online" há alguns meses.

A posição geral de Karabell é que muito se falou sobre questões como o desequilíbrio comercial da China com os Estados Unidos e os títulos que a China tem da dívida norte-americana, enquanto outras questões foram subestimadas. Entre esses outros temas está o padrão de crescimento nas vendas para a China por parte de companhias que, essencialmente, foram salvas porque fugiram de outros mercados.

"Não se pode duvidar", escreve em seu livro, "que as companhias norte-americanas conseguiram lucros extraordinários com o crescimento da China", e ele inclui estudos de caso de companhias tão diversas quanto Kentucky Fried Chicken, Federal Express e Avon em seu relato.

Ao mesmo tempo, argumenta, a quantidade frequentemente subestimada de investimento norte-americano na China reduziu o impacto da crise financeira, porque esse dinheiro não foi destinado a coisas como a bolha imobiliária e seus instrumentos financeiros, como as transferências de dívidas.

Fora isso, se a manipulação da China sobre sua moeda contribuiu para formar a bolha imobiliária norte-americana - em um exemplo do funcionamento da superfusão - os empréstimos da China para os EUA também financiaram o pacote de estímulo, que evitou que as coisas ficassem bem piores.

Mas o que dizer do argumento de Ferguson de que o conflito surgirá, incitado por coisas como o desenvolvimento naval da China nos oceanos Pacífico e Índico, sua busca por recursos naturais na África - bastante reminiscente da corrida imperial do final do século 19 - e seu desejo de manter relações próximas, e até mesmo de proteção, com países bem no topo da lista de desafetos dos EUA, como o Sudão e o Irã?

"As duas economias estiveram tão entrelaçadas que nenhuma delas pode se livrar da outra sem sofrer um prejuízo considerável", diz Karabell. "Os EUA continuam sendo não só o mercado mais importante para os bens chineses, mas também a fonte de grande parte da inovação e do investimento que alimentaram o crescimento doméstico da China. A China não só é uma fonte fundamental de fundos para os gastos do governo dos EUA, mas um mercado essencial para pequenas e grandes companhias que buscam uma nova fronteira para o crescimento.

"Laços econômicos estreitos não impedem o conflito", disse ele, "mas não há sinais de nenhum dos lados de que o conflito é desejável ou factível, e a fusão econômica é a principal razão disso".

Tradução: Eloise De Vylder

 

 

Chimérica: um casamento em maus lençóis? Disponível em:

https://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2009/11/09/chimerica-um-casamento-em-maus-lencois.jhtm Acesso em 03/04/2020

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